27.12.11

20.12.11

E como era bom...



  Na semana passada tive uma experiência maravilhosa.
Recebi, pelo correio, um cartão de Natal mandado por uma amiga que vive nos Estados Unidos.
Que alegria senti! E dupla, por estar recebendo o cartão dela e por estar recebendo um cartão.
Dentro do envelope escrito a mão (sim, escrito a mão!) estava um lindo cartão de Natal. Estava nos esperando naquela mesma caixa de correspondência que, dia após dia, semana após semana, mês após mês, só recebe contas, propaganda, revistas gratuitas que não temos nenhum interesse em ler e outras coisas que não sei por que mandam sem a gente pedir... Lá estava, nos esperando, um cartão de Natal!
Não me lembrava mais como era gostoso receber cartões, cartões postais, cartas, estas coisas que já não se usa mais mandar (pelo menos no Brasil).
E como era bom...

Para abrir o envelope um pequeno ritual: olhar se o destinatário somos nós, virar o envelope e ver quem é o remetente, colocar contra a luz para ver como abrir sem estragar o que está dentro, rasgar com cuidado e, finalmente, olhar o que está no envelope. Emocionante!
Para mim que morei alguns anos, e ainda moro, longe da família e dos amigos mais antigos, foi muito bom lembrar a sensação.

Tempos atrás, longe do Brasil, tive uma caixa postal que eu visitava todos os dias no final da tarde. A ansiedade por notícias e pelo carinho dos que estavam distantes era grande.
Minha mãe mandava, todas as semanas, jornais de Porto Alegre e a revista Veja (que naquele tempo, anos 70, era ótima).
E como era bom...
Chegavam cartas que eram verdadeiros relatórios. Maravilhosas! Fulana casou, fulano morreu, o Parque da Redenção está lindo, aquele está namorando aquela, aquela outra está namorando o primo daquele outro, a faculdade está um saco, nosso amigo quebrou a perna, a beltrana brigou com o namorado antigo, dona coisinha está muito doente, a nossa vizinha ganhou nenê, tal filme é ótimo, abriu um “barzinho” novo, aquele outro fechou e quantas e quantas coisas mais contavam. E também mandavam fotos! Assim, de longe, nós nos acompanhávamos.
E como era bom...
E como era bom poder reler as cartas e rever as fotos quando a saudade apertava.
Escrever cartas também tinha um ritual: escolher o papel, escolher a caneta (até hoje prefiro caneta tinteiro), colocar uma música de fundo e, então, era só contar o que tinha acontecido, falar das alegrias, das tristezas, das expectativas, do passado, de tantas coisas.
 E como era bom...

Mas, aqui entre nós: de verdade verdadeira, eu não gostaria de voltar àquele tempo.
Era muito bom, naquele tempo!
Porque se aquele tempo voltasse, eu não viveria a felicidade de ensinar o meu primeiro neto, Gabriel, a bater palmas pela internet!

p.s. obrigada, Maria Elisa, pelo valioso presente!

11.9.11

Chile, 11 de setembro: 40.000 mortos pela ditadura de Pinochet!




YO PISARÉ LAS CALLES NUEVAMENTE
Pablo Milanes

Yo pisaré las calles nuevamente
De lo que fué Santiago ensangrentada
Y en una hermosa plaza liberada
Me detendré a llorar por los ausentes

Yo vendré del desierto calcinante
Y saldré de los bosques y los lagos
Y evocaré en un cerro de Santiago
A mis hermanos que murieram antes

Yo me volque al que hizo mucho y poco
al que quiere la Patria liberada
dispararé las primeras balas
más temprano que tarde sin reposo
Retornarán los libros, las canciones
Que quemaran las manos asesinas
Renascerá mi pueblo de su ruína
Y pagarán su culpa los traidores

Un niño jugará en una alameda
Y cantará con sus amigos nuevos
Y ese canto será el canto del suelo
A una vida cegada en La Moneda

Yo pisaré las calles nuevamente
De lo que fué Santiago ensangrentada
Y en una hermosa plaza, liberada
Me detendré a llorar por los ausentes


25.8.11

Para Ricardo




Hoje, 25 de agosto de 2011, Ricardo completa 35 anos. Em 2000, escrevi uma carta para ele e a compartilho. Parabéns, querido!


Porto Alegre, 25 de agosto de 2000
Ricardo, meu querido filho

Há 24 anos atrás, no dia 22 de agosto, morria Juscelino Kubitschek. Nós morávamos em Brasília, cidade que amava seu construtor. Era 1976 e a democracia ainda não tinha dado muitos sinais de vida. As proibições ainda eram muitas e, o pior de tudo, não se tinha clara a noção do que era proibido.
Juscelino morreu num acidente de carro, até hoje não muito bem explicado e seria enterrado em Brasília, marco de sua vida. Os militares temeram e tentaram fazer um enterro discreto.
O corpo chegou de avião e, apesar do grande número de pessoas que se espalharam pelas avenidas para recebê-lo, o carro que o conduzia passou em alta velocidade.
Esta era a ordem dos militares.
A frustração e a tristeza tomaram conta de todos. A ditadura foi um tempo de grandes frustrações e tristezas para todos nós...
O corpo foi velado, se não estou enganada, no Congresso e seria levado ao cemitério à noite. Não deveria haver nenhum tipo de manifestação popular.
Esta era a ordem dos militares.
Mas não foi assim. Naquela noite, a cidade espalhada, de grandes avenidas, com jeito de “cidade do futuro” dos filmes de ficção científica, ganhou emoção: a enorme tristeza dos candangos a invadiu.
Brasília, até então tida como uma cidade sem alma e sem coração, presenciou um dos momentos mais lindos da sua história. Aquele povo pobre, que a construiu e que amava Juscelino, dobrou a vontade dos militares e saiu, em emocionado cortejo, acompanhando o carro de bombeiros que levava o caixão. Ao contrario do que havia acontecido na chegada do corpo à cidade, eles impuseram o seu ritmo ao cortejo: lento, chorado, dolorido...
Eram milhares, cantavam o “Peixe Vivo”, a música preferida de Juscelino e, ao mesmo tempo, choravam, choravam muito...
Choravam naquele choro toda a tristeza dos trabalhadores explorados, que foram expulsos para a periferia da cidade que construíram.
Foi a força da vontade e da emoção das pessoas se impondo à estupidez da ditadura.

E nós estávamos lá, tu e eu.
Minha barriga estava enorme, eu estava muito inchada, mas queria compartilhar aquela emoção, queria estar presente.
O bom senso dizia que tu e eu não deveríamos estar ali. Já estavas pronto para nascer, eu me movia com dificuldade... O bom senso dizia que tu e eu não deveríamos estar no meio daquele monte de gente. Mas, eu não poderia perder este momento.
A Vó Dulce estava em Brasília para nos acompanhar, para te ver nascer. Afinal, estava por nascer o seu primeiro bisneto! E, se tu bem conheces a tua bisavó, lá estava ela conosco para ver o cortejo. Conseguimos dois banquinhos na casa da Maj e ficamos esperando por horas a fio, no meio da multidão.
E valeu, como valeu! Até hoje tenho aqueles momentos guardados no meu coração.
Pode ser que em algum lugarzinho de ti, tudo isto tenha ficado registrado. Tu estavas dentro da minha barriga e a minha emoção era tão grande que com certeza te tocou. Lembra?
Três dias depois fui ao médico para um exame de rotina. A consulta era às 11hs e 30 min e às 13hs tu já tinhas nascido. Muito preguiçoso, não “desceste” para te encaixar na rota de saída. E como tu já estavas pronto para vir ao mundo e a minha pressão estava altíssima, te tiraram na marra, lindo, gordinho...
Hoje fazem 24 anos da tua chegada, um dos dias mais importantes da minha vida e o ponto inicial de muitas e muitas e muitas alegrias e de alguns percalços Mas, acredito que tudo dentro do razoável, nesta mistura de coisas boas e outras nem tanto que compõem a nossa vida.
Querido filho, te desejo MUITA FELICIDADE, que sei que mereces e vais ter! 






18.8.11

família


Me dei conta que no blog não tem a foto dos filhos, da nora e do neto Gabriel. Achei esta, de março de 2011, em Florianópolis. Da esq. para a direita: Xico, Euzinha, meu pai Zeca, Ricardo com Gabriel no colo, Tati com Ramiro na barriga e Miguel.

3.8.11

Anões, Mídia & Deficiência



O texto que segue é o depoimento da jornalista gaúcha Lelei Teixeira no seminário "Mídia & Deficiência" organizado pela Assembléia Legislativa/ RS, na última semana de julho. Emocionante!

"Agradeço aos organizadores deste seminário a oportunidade de compartilhar com vocês um pouco da minha experiência e algumas inquietações que cercam a vida de pessoas que, como eu, têm uma deficiência. 

Falar de uma questão que me diz respeito é um desafio, até porque sou mais dos bastidores do que do palco. Como tratar de tema tão delicado, evitando cair na vitimização, no paternalismo, no heroísmo, no fetiche, no clichê, no estereótipo?

Falar com serenidade das dificuldades do dia a dia – e elas existem! – encarar a diferença, e a repercussão dessa diferença, no meio em que vivemos não é tarefa fácil. Mas é tarefa necessária, imprescindível nesses tempos em que tanto se discursa pela inclusão, acessibilidade, diferença, pluralidade.

A sociedade reserva um determinado lugar para aqueles que fogem aos padrões de normalidade sobre os quais o mundo está estruturado. Ninguém se espanta, por exemplo, ao ver o negro como porteiro, operário, empregada doméstica, porque este é o espaço que lhe cabe. Assim como ninguém se admira ao ver o homossexual como costureiro, cabeleireiro, fazendo o gênero pitoresco, irônico, de humor fino, ferino. O anão divertindo as pessoas, dando cambalhotas, sendo alvo de chacota, ou como figura mágica, também não espanta. É o que lhe cabe nesse latifúndio.

Partindo do universo dos bufões, desde a antiguidade os anões são pessoas marcadas pelo estigma de garantir a diversão de outros, de fazer rir, expondo-se de qualquer maneira. Vê-los assim, os bobos da corte, é perfeitamente natural. Vê-los responder ao discurso já dado sobre eles não espanta ninguém. Chega a ser condição para que sejam incluídos.

O espanto surge no momento em que rompem esses espaços. É aí que a diferença grita, assume outras proporções e a sociedade se defronta com o que não quer admitir: a rejeição, o preconceito. Já não está mais diante do estereótipo, do ser mítico, quase distante e, sim, da pessoa real, de carne e osso, com sentimentos, paixões, contradições e a sua DIFERENÇA. Diferença com a qual a sociedade não sabe lidar.

É aí que o deficiente, seja por razões físicas ou mentais, instaura a desordem num mundo aparentemente normal, desorganiza a frágil organização da sociedade. E as pessoas se enfrentam com a dificuldade e a necessidade de lidar com uma realidade que não querem ver: tratar o deficiente na exata medida do seu problema, com naturalidade. Ao ignorar ou excluir as diferenças certamente toma-se o caminho mais fácil e mais curto para a eliminação do humano, do caráter criativo e inusitado dos homens, que está no encontro das suas múltiplas possibilidades e capacidades.

Cabe, portanto, a nós, com a nossa dificuldade, subverter a ordem, extrapolar os espaços e recusar os papéis já dados, como o do bufão, o do “coitadinho”, da vítima ou o do herói.  Se para a sociedade é difícil conviver com a diferença, é fundamental fazê-la entender o valor e as possibilidades que as diferenças trazem. Resta-nos aprender juntos, fora dos estereótipos e dos discursos já instituídos, velhos e redutores.

Além do acesso físico, sem dúvida fundamental, a pessoa com uma deficiência precisa ser acolhida com a sua dificuldade, sem disfarces e pré-julgamentos; na sua dimensão real, sem contaminações, sem transformar-se em exemplo. Só assim construiremos relações mais humanas, definitivas para a eliminação do preconceito. “Ver com os olhos livres”, como disse o escritor Oswald de Andrade no Manifesto Antropofágico nos anos 20 do século 20.

Se é impossível adaptar a cidade às nossas necessidades, é perfeitamente viável contar com a boa vontade das pessoas. No caso dos anões, por exemplo, ser atendidos fora dos imensos balcões dos bancos, já será um avanço.

A mídia tem um papel fundamental neste sentido: mostrar a vida como ela é tratar de questões que envolvem a deficiência e o preconceito com naturalidade. É formadora de opinião, por isso tem uma enorme responsabilidade. Não pode ser linear e burocrata em suas análises e comentários. É importante que instigue, faça pensar, evitando o sensacionalismo, que não contribui em nada para causa nenhuma. Precisamos de mais civilidade, mais grandeza, mais humanidade e mais sabedoria ao tratar de temas delicados como esse.

Nós, os anões, somos poucos e pouco lembrados, quase invisíveis para a sociedade e os governos. Mas temos belos exemplos de reportagens sobre o nanismo. Desde os anos 80, procuro acompanhar o assunto na mídia. Nessa época, uma matéria de página inteira no jornal O Estado de São Paulo, com um título muito sintomático e sensível – “A solidão desta gente pequena” – chamou muito a minha atenção. Talvez aí eu tenha mergulhado definitivamente na minha condição. Há mais de 35 anos, a reportagem era pontual e trazia vários depoimentos de anões. Na verdade, trazia todas as questões que discutimos hoje, depois que inclusão e acessibilidade tornaram-se palavras da moda, politicamente corretas. Mais recentemente, em novembro de 2009, a reportagem feita pela jornalista Fernanda Zaffari para o Caderno Donna de Zero Hora, na qual minha irmã e eu fomos entrevistadas, foi de uma delicadeza rara, absolutamente fora dos estereótipos. Tratou do problema com naturalidade e nos mostrou como pessoas que vivem como qualquer outra. A repercussão dessa matéria ainda hoje nos surpreende.

Mas temos também péssimos exemplos de tratamento aos anões na mídia, especialmente em programas de televisão e rádio. Por uma dessas falhas de memória que Freud deve explicar, esqueci as datas, mas vale registrar. Comunicadores de programas como Manhattan Connection/GNT e Pretinho Básico/Rádio Atlântida fizeram comentários absolutamente infelizes e preconceituosos sobre os anões. Só viram o estereótipo, sem nenhum contraponto. Pelo discurso deles, quase nazista, não é delegado ao anão um comportamento humano. Como todo comunicador, que precisa ser interessante e preencher um espaço sem pensar e sem questionamentos, eles ironizaram grosseiramente a condição de vida dos anões, absolutamente presos ao estigma, demonstrando farta ignorância sobre a diferença e a deficiência.  

Para encerrar, lembro duas frases de canções de Caetano Veloso, que podem funcionar como uma bússola nessa nossa jornada: “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é” e “De perto ninguém é normal”.

Não somos nem vítimas nem heróis. Estamos na vida como qualquer pessoa, com a nossa dificuldade."

20.7.11

Meu amigo


           
Tenho lembrado muito do Alexandre, Alexandre Schneiders da Silva, amigo querido, parceiro de tantas empreitadas!
Nos conhecemos em 1967 e foi amor à primeira vista.
Companheiro na militância trotskista, companheiro na música e, durante toda a nossa  convivência, um conselheiro insubstituível!
Homem inteligente, sensível e bonito, nunca se interessou de verdade pelo sexo oposto e precisou de muita coragem para se relacionar pela primeira vez com outro homem e saber que era gay. Lembro bem deste dia...
Também precisou de muita coragem, nos anos 70, para abandonar o promissor curso de medicina e procurar a sua felicidade na Argentina, ao lado de José Maria.

Ele e eu voltamos para Porto Alegre em 1980, os dois reiniciando a vida.
E nunca mais nos separamos.
Estive com ele na batalha contra a Aids, quando o preconceito e o sofrimento eram muito maiores do que são hoje.
Mas, a doença venceu, em maio de 1990 e não iríamos mais envelhecer juntos, como tínhamos combinado
Em homenagem ao Alexandre, publico esta carta que ele me enviou de Canela/RS, em outubro de 1986.

"Linhas
Retomadas no mesmo ponto onde ficaram dias atrás. Silvio Rodrigues no gravador; as cores românticas se derramando sobre a paisagem de noite e estrelas.
Certo. As ilusões e as utopias. As fragilidades.
A força interna: esse algo,
sem nome, que.
Nesse mosaico, vai-e-vem, nessa corda bamba, esse espaço que se cria, que se acredita, que se faz,
               (Silvio canta: Nicarágua)
Do jeito torto, sentimentalmente irreal, ainda assim algo, alguma coisa. Concreta.
Essa sensação (certeza, consciência?) de que somos parte de um organismo maior que nos inclui (os humanos) e se continua sob mil formas pelo(s) espaço(s) afora: água, ar, terra, vibração da matéria. Lua. Luas e estrelas.
Vibrações.
Vibrações da não matéria.
               (Reagan e Gorbachov trocam prisioneiros. Marcam uma conferência de cúpula.)
E isso é real.
Não estaremos todos nós um pouco loucos?
Há um fazer de conta inverossímil (increíble!) de que o mundo, a vida, começam e terminam na ponta de nosso umbigo, nossa “civilização”.
Já estamos na era do Farenheit, do robô, do olho do Orwell. Só que ainda não percebemos o quanto, o como.
É tudo muito rápido.
Então, penso que o louco sou eu, a solidão, a falta do braço e de colo
               (esse repouso na pele esse aconchego do outro que repousa)

Canta junto ahora:
               si no creyera en la locura
               si no creyera en el delirio
               si no creyera en la esperanza
               Si no creyera en lo que agencio,
               si no creyera en mi camino,
               si no creyera en mi sonido,
               si no creyera
                en mi silencio
               qué cosa fuera, corazón,  qué cosa fuera
Y bueno,
a poesia, a palavra, o som percorrido-percorrendo estradas (há milênios percorrendo as gerações) – e as entranhas. A palavra, o poema, a voz aquela do coração,
Fibra.
               si no creyera en lo más duro
               si no creyera en el deseo
               si no creyera en lo que creo
               si no creyera en algo puro
               Si no creyera en cada herida
               si no creyera en lo que ronde
               si no creyera en lo que esconde
                                             hacerse hermano de la vida
              
               si no creyera en quien me escucha
               si no creyera en lo que duele
               si no creyera en lo que quede
               si no creyera
                                             en lo que lucha
               Qué cosa fuera…
Y bueno
El hombre-poeta canta y hace mundos nuevos, tan antiguos, tan cercanos
                              da fibra mais íntima.
Tão do coração.
Essa capacidade (única?) da poesia de nos religar à respiração do mundo: organicidade da pulsação do cosmos. Capacidade da poesia e do amor, este também forma de poesia (já que chamo de poesia às diversas linguagens do coração...).

E quando se fala de “política” ou revolução, estou falando de que?
Quando se fala de ecologia é o que?
Se não esta dicotomia do homem com essa organicidade. A sua. A do universo.
E daí por diante, fio da meada que se desenrola
e traz consigo os signos dependurados
...
(Todos os cotidianos)
...
Pessoas que se vão repentinamente e deixam, pairando,
a pergunta implícita, atávica:
               Qual é
               o sentido
               da vida?

               O que é
               A vida?

O que é
Uma vida?          As vidas?             A vida?

(somos/estamos em/ somos
um grande, infinito organismo
que pulsa, que respira)"



6.7.11

Existirmos: a que será que se destina?



Cajuína, é uma das músicas mais lindas do Caetano Veloso.
É uma homenagem ao seu amigo, o poeta e jornalista Torquato Neto, que se suicidou em 1972.
Alguns anos depois, Caetano esteve em Teresina, onde moravam os pais de Torquato.
Na casa deles, conseguiu chorar pela primeira vez a morte do amigo.
O pai de Torquato deu a ele uma rosa colhida no seu jardim e serviu cajuína.
No dia seguinte, Caetano compôs a música. 

Sempre que a escuto lembro do meu querido amigo que o HIV levou em 1990.
Até hoje tenho muita saudade. 

Alexandre querido, onde estiveres recebe o meu carinho!


31.5.11

A arte de ser avó

Estou muito feliz e emocionada, nasceu Ramiro, meu segundo neto. 

Este é um trecho da crônica "A arte de ser avó", publicada  em 1964, no livro "O brasileiro perplexo" de Rachel de Queiroz.



“Netos são como heranças: Você os ganha sem merecer. Sem ter feito nada para isso, De repente caem do céu... É como dizem os ingleses, um Ato de Deus. Sem se passarem as penas do amor, sem os compromissos do matrimônio, sem as dores da maternidade. E não se trata de um filho apenas suposto. O neto é, realmente, o sangue do seu sangue, filho do filho, mais filho que filho mesmo...

Cinqüenta anos, cinqüenta e cinco... Você sente, obscuramente, nos seus ossos, que o tempo passou mais depressa do que esperava. Não lhe incomoda envelhecer, é claro. A velhice tem as suas alegrias, as suas compensações; todos dizem isso, embora você, pessoalmente, ainda não as tenha descoberto, mas acredita. Todavia, também obscuramente, também sentida nos seus ossos, às vezes lhe dá aquela nostalgia da mocidade. Não de amores com as suas paixões: a doçura da meia-idade não lhe exige essa efervescência. A saudade é de alguma coisa que você tinha e que lhe fugiu sutilmente junto com a mocidade.

Bracinhos de criança. O tumulto da presença infantil ao seu redor. Meu Deus, para onde foram as suas crianças?

Naqueles adultos cheios de problemas que hoje são os filhos, que têm sogro e sogra, cônjuge, emprego, apartamento e prestações, você não encontra de modo algum as suas crianças perdidas. São homens e mulheres – não são mais aqueles que você recorda.

E então, um belo dia, sem que lhe fosse imposta nenhuma das agonias da gestação ou do parto, o doutor lhe coloca nos braços um bebê. Completamente grátis – nisto é que está a maravilha.

Sem dores, sem choro, aquela criancinha da qual você morria de saudades, símbolo ou penhor da mocidade perdida. Pois aquela criancinha, longe de ser um estranho, é um filho seu que lhe é devolvido.

E o espantoso é que todos lhe reconhecem o seu direito de o amar com extravagância. Ao contrario, causaria espanto, decepção se você não o acolhesse imediatamente com todo aquele amor recalcado que há anos se acumulava, desdenhado, no seu coração.

Sim, tenho certeza de que a vida nos dá netos para nos compensar de todas as perdas trazidas pela velhice. São amores novos, profundos e felizes, que vem ocupar aquele lugar vazio, nostálgico, deixado pelos arroubos juvenis.

E quando você vai embala o menino e ele, tonto de sono abre o olho e diz: “Vó!”, seu coração estala de felicidade, como pão ao forno!”


.

29.5.11

Gordos do mundo, uni-vos!

Texto de Antonio Prata, publicado na Folha de São Paulo em 27.4.2011. 
Adorei!

  

A SEGUNDA METADE do século 20 assistiu à fragmentação das lutas e ao alargamento dos direitos: os negros se organizaram, as mulheres se organizaram, os judeus se organizaram, os gays se organizaram -até os ruivos, ouvi dizer, têm associações contra o preconceito cromocapilar que, parece, sofrem por aí.


     Ótimo. Hoje, o sujeito pensa duas vezes antes de pintar suásticas ou enfiar um cone branco na cabeça, vestir os lençóis da cama e sair queimando cruzes pelas ruas. O problema é que sobrou uma única minoria, desarticulada e sem líderes, tomando na cabeça todos os cascudos que os últimos séculos dividiram entre os grupos supracitados: os gordos.


     Na supremacia magra em que vivemos, já não se medem mais crânios para atestar a superioridade de ninguém, medem-se abdomens. O gordo, hoje, anda com os ombros curvados e os olhos baixos, como o judeu na Alemanha, em 1933, os negros, durante o Apartheid, uma mulher ou um gay num ônibus, tomado pela Gaviões da Fiel. Ainda não há campos de extermínio para obesos nem leis impedindo seu ir e vir, mas, pelas esquinas e mesas de bar, pelas praias e parques, podem-se ouvir os cochichos, cada vez menos discretos: "Deus do céu, será que ele não tem vergonha na cara?!", "Devia ser proibido uma mulher dessas usar biquíni!", "Se fosse um filho meu, internava num SPA!".


     A ciência decretou, a moda difundiu, nossos superegos aceitaram: gordo é errado. Gordo é um descontrolado -e o autocontrole, hoje em dia, é tudo. Prega o espírito de nossa época que cada um de nós é uma empresinha a ser racionalmente administrada, e, no balancete diário de nossos corpos, o acúmulo de calorias é como um deficit econômico.


O gordo é um latifúndio improdutivo, máquina parada, ciclo vicioso.     Ok: o brasileiro anda comendo mal. De fato, cada degrau que ascendemos na escala social é um buraquinho que alargamos no cinto. É bom que o governo faça campanhas por hábitos mais saudáveis, que as escolas ensinem educação alimentar, que meu querido Drauzio Varella nos lembre que nem só de papilas gustativas vive o homem; que, de coxinha em coxinha, nossas artérias vão acabar entupidas como a avenida Rebouças, às 6h da tarde.


     O preconceito, contudo, essa campanha raivosa que trata a todos aqueles que não se encaixam no diet-zeitgeist como se fossem poltergeists, não nasce da preocupação com o outro. É o ressentimento que faz com que as bocas que se fecham tão estoicamente à comida abram-se vorazmente para maldizer os gordos. Pois o gordo, meus caros, é o novo libertino. Quando o sexo era proibido, a prostituta era "feita pra apanhar", era "boa de cuspir". Hoje, com o sexo como totem e o torresmo como tabu, os que trocaram a penitência diária pelas abdominais e a hóstia pela granola, buscando a transcendência pela contenção, ficam indignados com a banha alheia. Por que é que eu preciso sofrer tantas privações, pensam eles, enquanto outros podem viajar na maionese?


     Gordos do mundo, uni-vos! Ostentais as panças com orgulho. Há em vosso guloso descontrole uma nota de revolta contra um mundo que encolhe; um mundo que, cada vez mais, quer menos -em todos os sentidos.

25.5.11

Todo o dia ...

Já que inventei de divulgar meu blog, comecei a me sentir na obrigação de escrever. 
Então, lembrei de um escrito de junho de 2006.
Ufa! Ainda bem que aquele momento já passou.



Acordar
olhar o relógio
acender o rádio
encher o prato da Mimi
falar com ela
arrumar a cama
tenho que fazer exercício
lavar o rosto
tomar café
tomar os remédios
lavar a louça
tenho que ligar para a dentista
tem roupa para lavar?
receber telefonema da mãe
olhar o relógio
ver a programação do dia
é necessário ligar para alguém?
ligar ou não ligar?
olhar agora os e-mails?
tenho que responder 175 e-mails
vou almoçar com alguém?
convido alguém para almoçar?
há programa para depois do trabalho?
qual deles escolho?
tenho que ligar para a fisioterapeuta
tomar banho
agora ou de noite?
fazer carinho na Mimi
passar creme no rosto
tenho que sair com o amigo
que não está bem
me arrumar
está frio ou calor?
olhar a temperatura na TV
chove?
olhar o relógio
escolher a roupa
calça ou saia?
tenho que fazer o relatório para a tia
bota ou sapato?
roupa clara ou escura?
escolher estilo
arrumada ou esportiva?
jovem ou senhora?
tenho que ir na costureira
e combinar
cores
e combinar
óculos
e combinar
bolsa
e combinar
acessórios
bijuteria ou joia?
olhar o relógio.
Pronto!
Uma etapa vencida.

Pegar
documentos
carteira de dinheiro e cartões
moedeiro
talão de cheques
tenho que ligar para a amiga
que não está bem
e pegar:
agenda
chaves do carro
e procurar:
celular
óculos escuros
lanche
material de trabalho
saco do lixo
olhar o relógio
ver onde está Mimi
a chave de casa está na mão?
e a do carro?
sair
trancar bem as portas
pegar os jornais
tenho que levar as calças para tingir
procurar o viva-voz dentro do carro
sair com o carro
ver o portão fechar
olhar o relógio
Pronto!
Outra etapa vencida.

Olhei o relógio.
Nossa!
Não posso mais escrever.
Já são quinze para as duas e
tenho um monte de coisas para arrumar!
Antes vou jogar uma pacienciazinha,
mas, só uma...
Fiquei corrigindo o texto e já são três e doze!
Tenho um monte de coisas para fazer!
Antes vou tomar um café...
Agora são cinco e doze e ainda não tomei o café.
Mas, fiz muitas coisas.
e tenho muitas outras para fazer!

Enquanto isto, passa o tempo
e eu olhando o relógio...