20.7.11

Meu amigo


           
Tenho lembrado muito do Alexandre, Alexandre Schneiders da Silva, amigo querido, parceiro de tantas empreitadas!
Nos conhecemos em 1967 e foi amor à primeira vista.
Companheiro na militância trotskista, companheiro na música e, durante toda a nossa  convivência, um conselheiro insubstituível!
Homem inteligente, sensível e bonito, nunca se interessou de verdade pelo sexo oposto e precisou de muita coragem para se relacionar pela primeira vez com outro homem e saber que era gay. Lembro bem deste dia...
Também precisou de muita coragem, nos anos 70, para abandonar o promissor curso de medicina e procurar a sua felicidade na Argentina, ao lado de José Maria.

Ele e eu voltamos para Porto Alegre em 1980, os dois reiniciando a vida.
E nunca mais nos separamos.
Estive com ele na batalha contra a Aids, quando o preconceito e o sofrimento eram muito maiores do que são hoje.
Mas, a doença venceu, em maio de 1990 e não iríamos mais envelhecer juntos, como tínhamos combinado
Em homenagem ao Alexandre, publico esta carta que ele me enviou de Canela/RS, em outubro de 1986.

"Linhas
Retomadas no mesmo ponto onde ficaram dias atrás. Silvio Rodrigues no gravador; as cores românticas se derramando sobre a paisagem de noite e estrelas.
Certo. As ilusões e as utopias. As fragilidades.
A força interna: esse algo,
sem nome, que.
Nesse mosaico, vai-e-vem, nessa corda bamba, esse espaço que se cria, que se acredita, que se faz,
               (Silvio canta: Nicarágua)
Do jeito torto, sentimentalmente irreal, ainda assim algo, alguma coisa. Concreta.
Essa sensação (certeza, consciência?) de que somos parte de um organismo maior que nos inclui (os humanos) e se continua sob mil formas pelo(s) espaço(s) afora: água, ar, terra, vibração da matéria. Lua. Luas e estrelas.
Vibrações.
Vibrações da não matéria.
               (Reagan e Gorbachov trocam prisioneiros. Marcam uma conferência de cúpula.)
E isso é real.
Não estaremos todos nós um pouco loucos?
Há um fazer de conta inverossímil (increíble!) de que o mundo, a vida, começam e terminam na ponta de nosso umbigo, nossa “civilização”.
Já estamos na era do Farenheit, do robô, do olho do Orwell. Só que ainda não percebemos o quanto, o como.
É tudo muito rápido.
Então, penso que o louco sou eu, a solidão, a falta do braço e de colo
               (esse repouso na pele esse aconchego do outro que repousa)

Canta junto ahora:
               si no creyera en la locura
               si no creyera en el delirio
               si no creyera en la esperanza
               Si no creyera en lo que agencio,
               si no creyera en mi camino,
               si no creyera en mi sonido,
               si no creyera
                en mi silencio
               qué cosa fuera, corazón,  qué cosa fuera
Y bueno,
a poesia, a palavra, o som percorrido-percorrendo estradas (há milênios percorrendo as gerações) – e as entranhas. A palavra, o poema, a voz aquela do coração,
Fibra.
               si no creyera en lo más duro
               si no creyera en el deseo
               si no creyera en lo que creo
               si no creyera en algo puro
               Si no creyera en cada herida
               si no creyera en lo que ronde
               si no creyera en lo que esconde
                                             hacerse hermano de la vida
              
               si no creyera en quien me escucha
               si no creyera en lo que duele
               si no creyera en lo que quede
               si no creyera
                                             en lo que lucha
               Qué cosa fuera…
Y bueno
El hombre-poeta canta y hace mundos nuevos, tan antiguos, tan cercanos
                              da fibra mais íntima.
Tão do coração.
Essa capacidade (única?) da poesia de nos religar à respiração do mundo: organicidade da pulsação do cosmos. Capacidade da poesia e do amor, este também forma de poesia (já que chamo de poesia às diversas linguagens do coração...).

E quando se fala de “política” ou revolução, estou falando de que?
Quando se fala de ecologia é o que?
Se não esta dicotomia do homem com essa organicidade. A sua. A do universo.
E daí por diante, fio da meada que se desenrola
e traz consigo os signos dependurados
...
(Todos os cotidianos)
...
Pessoas que se vão repentinamente e deixam, pairando,
a pergunta implícita, atávica:
               Qual é
               o sentido
               da vida?

               O que é
               A vida?

O que é
Uma vida?          As vidas?             A vida?

(somos/estamos em/ somos
um grande, infinito organismo
que pulsa, que respira)"



6.7.11

Existirmos: a que será que se destina?



Cajuína, é uma das músicas mais lindas do Caetano Veloso.
É uma homenagem ao seu amigo, o poeta e jornalista Torquato Neto, que se suicidou em 1972.
Alguns anos depois, Caetano esteve em Teresina, onde moravam os pais de Torquato.
Na casa deles, conseguiu chorar pela primeira vez a morte do amigo.
O pai de Torquato deu a ele uma rosa colhida no seu jardim e serviu cajuína.
No dia seguinte, Caetano compôs a música. 

Sempre que a escuto lembro do meu querido amigo que o HIV levou em 1990.
Até hoje tenho muita saudade. 

Alexandre querido, onde estiveres recebe o meu carinho!