14.2.23

meu amigo, Jun

Jun Nakabayashi foi embora em agosto de 2022 e ainda hoje sinto uma grande tristeza. Escrevi este texto naquela ocasião, mas por algum motivo que não lembro, não postei. Posto agora.

Cada querido da gente que se vai é um pedaço da nossa vida que vai junto. Nos relacionamos com cada um deles de uma forma única porque cada um deles é único. Todos são insubstituíveis e deixam em nós uma parte vazia que preechemos com as lembranças.

Cheguei em Concepción, no sul do Chile, em julho de 1971. Renato Dagnino, então meu namorado e hoje pai dos meus filhos Ricardo e Miguel, já estava lá e fui encontrá-lo. Ele fugia da perseguição movida pela ditadura brasileira que o afastou por quatro anos da UFRGS. Ao contrário dele, apesar de participar do movimento estudantil em Porto Alegre, não havia nenhuma acusação contra mim. 

A cidade tinha menos de 400.000 habitantes e uma das universidades mais importantes do país, a Universidad de Concepción. Fazia muito frio, chovia e ventava muito. 

Não havia muitos brasileiros, porque a grande maioria preferia viver em Santiago. Quando cheguei, éramos nove, mas depois outros foram chegando.

Concepción, 1971

No meu primeiro dia na cidade fui presenteada com um "temblor", um terremoto fraquinho. Estava em uma reunião na universidade e foi lá que conheci Jun, Lúcio e Bene, estudantes e militantes do MIR (Movimento de Esquerda Revolucionária). Jaime, Bretas, Percy e Célia Sampaio (um casal já com filhos), os outros brasileiros que viviam em Concepción, conheci dias depois.

Sempre tive um grande carinho pelo Jun e até hoje não sei muito bem o porquê. Filho de japoneses era, como se costumava dizer, "um cara na dele", bem ao contrário de mim que falo até com os cachorros da rua, rsrs. Sempre foi assim, mas, de vez em quando, ele perdia a paciência comigo!

Convivemos por quase três anos e,  por alguns meses, moramos juntos: Jun e Marta (sua companheira argentina), Renato e eu.

Foram  maravilhosos os tempos que vivemos no Chile até que o golpe do Pinochet, em 1973 acabou com o nosso sonho da possibilidade de uma transição pacífica ao socialismo, pregada por Allende. 

Naquela ocasião, Renato e eu estávamos em Concepción, Marta estava na Argentina para o parto da primeira filha, Adriana, e Jun estava em Osorno, cidade mais ao sul, onde lecionava na universidade. Não havia forma de nos comunicarmos com ele.

Logo que cheguei,  dois anos antes, fiz amizade com o consul honorário do Brasil, um senhor inglês. Esta amizade foi muito útil nos dias posteriores ao golpe porque, com a ajuda dele consegui localizar o Jun, mas como isto foi a muito tempo, não lembro bem como aconteceu. 

Quando ele esteve em Porto Alegre, em um dos foros sociais mundiais, perguntei o que havia acontecido na prisão e ele, então, me contou toda a tortura que sofreu. Chorei muito, mas no dia seguinte, não lembrava de nada, como não lembro até hoje. O relato foi tão terrível que preferi esquecer.

Depois, obrigado a sair  do Chile exilou-se na Europa. Durante o tempo em que esteve fora do Brasil trocamos algumas cartas, mas acabamos perdendo o contato. Só de vez em quando recebia alguma notícia dele dada por algum amigo comum.

Foi quando eu morava em Campinas, entre o segundo semestre de 1978 e  a metade de 1979, que Jun foi anistiado e pode voltar ao Brasil. Não é frase de efeito, não, "lembro como se fosse hoje" do momento em que soube. Voltava para casa e, no rádio do carro, escutei a notícia de que ele havia chegado em São Paulo. No mesmo dia, peguei o guia telefônico e tentei encontrar a irmã dele que conheci em Concepción. Falei com vários Nakabayashi, até encontrar o Jun e lembro o quanto fiquei feliz! 

Campinas, 1979

Depois, separou-se da Marta com quem teve dois filhos, casou com a Célia e cada vez que eu ia a São Paulo, me levava para passear e conhecer a cidade! Como vou sentir saudade dos nossos passeios...

Foi um cara e tanto, cheio de amigos! A última vez que nos vimos foi em 2019, quando nos reunimos com os moradores de Concepción que hoje vivem em São Paulo. Depois disto, só conversamos pelo telefone.

São Paulo, 2019

Pois é, cada querido da gente que se vai é um pedaço da nossa vida que vai junto. 

Beijo e saudade, Jun.