5.3.14

Bate mais forte o meu coração

Este escrito é de 2009 e eu pensei que já havia postado no blog. 
Como a Imperadores do Samba foi mais uma vez campeã do carnaval de Porto Alegre, resolvi publicar.


foto: Felix Zucco/ Zero Hora


É domingo de manhã, primeiro de março, e eu estou morrendo de vergonha por ser porto-alegrense.

Explico: sou colorada desde antes de nascer e “imperador” há quase 20 anos, quando descobri o carnaval de Porto Alegre por motivos profissionais. Tenho acompanhado os desfiles somente pela televisão e só uma vez fui a um ensaio, para mostrar o nosso carnaval a uns amigos espanhóis. Digamos, então, que o meu amor é platônico...

Quando soube que a Imperadores iria homenagear o Inter vibrei e comecei a procurar alguém que quisesse desfilar comigo. Nenhum dos meus amigos quis e eu tive que me conformar. Pensei em ir ao sambódromo, que eu não conhecia, mas também não consegui companhia.

Com a vitória da Imperadores resolvi assistir ao desfile das campeãs, para festejar mais um título conquistado para a nossa humilde coleção de CAMPEÕES DE TUDO. Iria com um amigo porto-alegrense que mora em Zurich e com sua esposa suíça. Como a escola seria a última a desfilar, do alto dos meus 61 anos arrepiei e achei mais prudente não ir. Mais uma vez deixei para “o ano que vem”. 

Sei lá porque hoje acordei um pouco depois das sete da manhã, liguei o rádio e a Guaíba estava transmitindo o desfile. Parênteses: não é meio esquisito transmitir desfile de carnaval pelo rádio?

A Imperadores estava entrando na “avenida”, o repórter estava emocionado e eu também me emocionei. Queria estar lá! 

Pulei da cama, coloquei uma roupa qualquer, peguei umas bolachinhas e me dei conta de que não sabia como chegar no sambódromo. Liguei o computador e fui ao oráculo do Google. A página da Prefeitura tem 2233 fotos do carnaval, mas não tem o endereço do sambódromo e muito menos um mísero mapinha para explicar como chegar ao Porto Seco, onde fica o sambódromo.

Descobri então, que existe uma Associação dos Proprietários e Usuários do Porto Seco. A página deles também não tem nenhuma indicação de como chegar, mas, pelo menos tem o endereço. 

Como sei para que lado fica o dito cujo sambódromo e tenho um guia da cidade, peguei meu carro e lá fui eu bem faceira e animada. Pensei que encontraria placas indicando o caminho, assim como há placas indicando os xópins. Placas? Santa ingenuidade a minha, a primeira e única está quase lá, quando não se necessita mais dela.

Lá pelas tantas tive que pedir auxílio a um motorista de táxi, mas ainda faltava muito - e como faltava... Enfim, cheguei. Mas, credo, é no fim do mundo e o que é pior: no meio do nada!

Como já eram oito horas da manhã, pude deixar o carro bem pertinho e corri para ver o desfile. Foi a glória, a IMPERADORES homenageando o INTERNACIONAL:

- “Bate mais forte o meu coração, vermelho e branco hoje invade a cidade, sou colorado sou imperador, nesse mar eu vou, que felicidade”!

Arquibancadas lotadas com um monte de gente de todas as idades. Todo o mundo em pé, dançando, cantando e vibrando. Lindo de ver! E feliz, eu dancei, cantei e vibrei junto.

Um espetáculo! Eram oito e meia da manhã, aquelas pessoas passaram a noite acordadas e ainda tinham todo aquele entusiasmo. Emocionante!

E por isto fiquei com vergonha de ser porto-alegrense. Como foi que nós tivemos a coragem de empurrar quase para fora da cidade uma manifestação tão bonita, tão alegre e que envolve e emociona tanta gente?

E não me falem em “Complexo Cultural do Porto Seco”. Que complexo cultural é este que abriga só um tipo de cultura, a negra? Porque o desfile do sete de setembro não é lá? Porque o desfile do vinte de setembro não é lá?

Como grande parte dos brasileiros que se declaram brancos, sou só aparentemente branca. Minha bisavó negra casou com um alemão e o resto foi aquela mistura braba: italiano, português, espanhol e índio. 

Deve ser por isto que voltei pra casa me sentindo agredida, segregada e envergonhada. Mas, principalmente, voltei muito triste com a nossa falta de sensibilidade e respeito.

2009:



2 comentários:

Adroaldo Bauer disse...

Lindo. Sou Imperador até morrer. E sabem todas as pessoas que é ela, a escola, a Resistência do Samba. Com as demais que fazem o Carnaval e com a retomada da Cidade baixa pelos blocos e bandas populares, tenho orgulho do povo porto-alegrense e de ter sido adotado por essa cidade ao ano e mês de idade, ainda no milênio passado. Belo texto, Maria Lúcia.

Maria Lucia disse...

Obrigada, Querido!