29.4.12

A banalização da morte



Há doze anos, no dia 24 de março de 2000, foi assassinado à queima-roupa Celestino Gonçalves da Silva
Isto aconteceu na rua Cel. Paulino Teixeira, em Porto Alegre, onde eu morava com meus filhos. Ele havia sido contratado, junto com seu tio, para zelar pela segurança dos moradores.
Na época, escrevi este texto como uma forma de refletir sobre o que aconteceu. Hoje, espero com ele, levar mais pessoas a refletirem comigo.



                                                                                           
Sexta-feira, nove e meia da noite. Ouve-se um tiro. Morre Celestino.
Com 33 anos, alegre, amigo das crianças, “vigia” da rua... mataram Celestino.

Não é uma notícia no jornal, daquelas coisas que só acontecem com os outros.
É real, aconteceu na nossa rua, no nosso nariz, bem aqui, na frente da nossa porta.
E nem podemos fingir que não vemos, porque o corpo está aqui, à vista de todos nós, bem real, na frente da nossa porta.

Celestino morava longe da nossa rua e muito pouco sabíamos da sua vida.
Hoje sabemos que ele tinha mãe, irmãos, tios, primos e amigos. Com certeza tinha planos, sonhos e, mais do que isto, Celestino tinha um futuro.
Mas, seus planos e seus sonhos foram roubados, o seu futuro acabou aqui. Aqui na nossa rua, no nosso nariz, bem aqui, na frente da nossa porta, com um único tiro!
E como é fácil matar...
Naquela noite nossos filhos estavam na rua, na frente das nossas casas, conversavam, riam.
Nossos filhos estavam muito perto da morte. Como está perto de nós a violência... 

Mas, afinal, o que está acontecendo conosco? Estamos vivendo um problema de segurança pública? Um problema de falta de policiamento? A culpa é do governo?
Não. Infelizmente, é muito mais do que isto. É muito mais do que o dinheiro dos nossos impostos pode pagar. É muito mais do que podemos exigir dos nossos governantes. É muito mais do que nos damos conta. Tem a ver com cada um de nós, tem a ver com a banalização da morte.
É a sociedade que aceita a violência. Somos nós que aceitamos a violência.

Aceitamos a violência quando, com medo, fechamos a janela dos nossos carros e achamos que não temos nada a ver com as crianças nas sinaleiras.
Aceitamos a violência quando vemos alguém dormindo na rua e achamos que não temos nada a ver com isto.
Aceitamos a violência quando desrespeitamos nossos velhos.
Aceitamos a violência quando fingimos que não vemos nossos filhos bêbados, drogados... 
Aceitamos a violência quando, de braços cruzados, esperamos que alguém resolva os problemas sociais, a fome, o desemprego, a miséria...

Aceitamos a violência quando nos armamos.
Aceitamos a violência quando procuramos justificativas para o assassinato.
Aceitamos a violência quando dizemos que o que mata deve ser morto.
E, se acreditamos que o que mata deve ser morto, é porque para nós, matar é banal.

Mataram Celestino!
Celestino, azul-celeste, da cor do céu.
Celestino, celeste, uma estrela no céu.


p.s. soubemos depois que ele foi assassinado por um namorado ciumento de uma moça que trabalhava na nossa rua.