15.9.10

Quem sabe paramos pra pensar?




   Tenho recebido mensagens de alguns amigos assustados com a possibilidade de termos Dilma como presidente do Brasil. Em sua maioria, estas mensagens são carregadas de raiva e  escárnio, sem nenhum resquício de debate político, de projetos e/ou de idéias.


   Se as informações que as mensagens contêm são verdadeiras ou não, parece que não interessa, mesmo para aqueles que acusam os políticos de mentirosos. São passadas adiante muitas e muitas e muitas vezes e acabam se tornando “verdadeiras”.  Vou votar na Dilma. Não sou imparcial e não acredito na imparcialidade de ninguém. Sejamos padres, jornalistas, “celebridades”, todos temos posição. Penso que, até mesmo ao não nos posicionarmos, estamos tomando posição.


  É impossível sermos imparciais porque temos sentimentos, desejos e opiniões. Por isto, no mínimo, deveríamos nos preocupar em saber de onde vem a informação, principalmente porque a internet é uma fonte de lendas.


   Mas, não é isto que está acontecendo. Se é contra a Dilma e contra o Lula, então é verdade!


   Alguns exemplos:   - “Dilma não pode entrar nos EUA porque foi condenada lá pelo seqüestro do embaixador americano nos anos 60”. Ela não só não participou da ação (até a Veja sabe disto), como já esteve duas vezes naquele país e até encontrou-se com Obama, com direito a foto (à disposição via google);


  - “Dulce Maia, que jogou uma bomba no consulado norte-americano em São Paulo, ferindo um jovem, era Dilma”. Dulce Maia existe, mora em Cunha/ SP e não participou do seqüestro (conforme noticiou Elio Gaspari na FSP em 2008, tendo depois se desculpado). Somente três homens participaram e suas identidades são públicas. Dulce processou o jornal por danos morais e ganhou a causa.


   As pessoas acreditam em tudo! Pessoas que tiveram educação, que têm acesso à cultura, que sempre tiveram e têm roupa e sapato no inverno, comida farta na mesa, que viajam nas férias, que se consideram bem informadas e cultas, cujos filhos e netos estudam em escolas caras, acreditam em tudo! Fico pasma...


   Me preocupa o envio destas informações mentirosas, como se fossem verdadeiras. Não porque podem prejudicar a eleição de Dilma, mas porque isto demonstra o quanto podemos perder nossa racionalidade e ficar, se não cegos, míopes.


   Querem ver como é fácil?   Quem de nós sabe ou se lembra que o problema de quebra do sigilo fiscal que embasou o absurdo pedido de impugnação da candidatura de Dilma aconteceu em 2009 quando ela ainda não era candidata? E que abrange os dados de cerca de 140 pessoas? E que a corregedoria da Receita Federal já havia aberto o inquérito que “aponta para um esquema de compra e venda de informações, sem nenhum envolvimento do governo ou partidário, com pagamento de propinas pelo acesso à renda de alguns endinheirados”?


    Quem de nós sabe ou se lembra que o Serra também foi exilado e anistiado (portaria nº 2.543, de 18 de dezembro de 2002) e se aposentou como professor da Unicamp graças ao tempo de serviço concedido nesta portaria (“... conceder-lhe a contagem de tempo de serviço de janeiro de 1966 a fevereiro de 1978, excluindo-se o ano de 1975 totalizando 11 anos e 29 dias”)?


   Quem de nós sabe ou se lembra que o “mensalão” foi criado pelo PSDB, em 1998 na campanha do então governador mineiro e atual senador Eduardo Azeredo, que está sendo processado como um dos principais mentores e principal beneficiário do esquema implantado? Porque será que para a imprensa não existe o “mensalão” do PSDB, só o do PT?


    Quem de nós sabe ou se lembra do escândalo da compra de votos pelo governo FHC, em 1997, para possibilitar a aprovação da emenda da reeleição? E havia gravações de conversas de deputados que diziam ter vendido seus votos para aprovar a reeleição por R$ 200 mil cada um, e acusavam outros de terem feito o mesmo. Dois deles renunciaram, e o governo abafou uma CPI...


   Quem de nós sabe que no “Relatório de Monitoramento Global 2010” da Unesco/ONU, o “Bolsa Família” é considerado uma “medida eficiente para reduzir os déficits de financiamento da educação e os problemas de aprendizagem causados pela desnutrição dos alunos”? 

Pois, para Kevin Watkins (da Unesco e coordenador do relatório), “O Brasil e a comunidade internacional ainda não se deram conta da importância e do impacto de um programa como o Bolsa Família". E não é que ele tem razão?


  Certamente se nós, da classe média, tivéssemos menos medo da verdadeira democracia, que torna possível o acesso de todos os brasileiros à educação, saúde, segurança e habitação (palavras que se tornaram chavões nas campanhas eleitorais), e tivéssemos interesse em aceitar e conviver com as diferenças, não passaríamos adiante tantas “verdades” não comprovadas! Mas, para isto, necessitamos das discussões sobre idéias, que andam muito escassas.



10.9.10

Chile 11 de setembro de 1973




Maria Lucia tinha 25 anos e estava lá.
Queria construir com o povo chileno o tão sonhado mundo novo.
Seu sonho era o mesmo de muitas e muitas pessoas pelo mundo afora.

Em 1970, Salvador Allende foi eleito presidente do Chile e, como a lei mandava, teve sua eleição ratificada pelo Congresso.
Venceu o projeto da Unidade Popular que defendia uma sociedade com justiça e liberdade.
Era a chamada “Via chilena para o socialismo”, calcada na ordem democrática e na participação popular.
Em 1971, quando Maria Lucia chegou lá, encontrou um país em efervescência.
Os chilenos a receberam carinhosamente, como uma “hermana latinoamericana”.
Ela vinha do Brasil, pais das perseguições, da tortura...
Trazia o medo impregnado e a vontade de ser feliz!

Allende nacionalizou as minas de cobre (a principal riqueza do país), passou as minas de carvão e a telefonia para o controle do Estado, aumentou a intervenção nos bancos e fez a reforma agrária.
Para os latino-americanos pobres, ele era a própria esperança.
Para o governo dos americanos do norte, ele era uma ameaça.

No Chile, Maria Lucia soube o que era mobilização e organização popular de verdade.
Todos queriam contribuir para que um novo futuro se tornasse realidade.
E Maria Lucia vibrou, o povo tinha voz e sua voz era ouvida!
Estudante da Universidad de Concepción, sentia-se “fazendo parte”.
Fez muitos “compañeros” chilenos e de todas as partes do mundo.

Em março de 1973, nas eleições parlamentares, aumentou o apoio a Allende e à Unidade Popular.
Mas, crescia também a pressão contra o governo eleito e seu projeto socializante.
Os sindicatos patronais do transporte rodoviário faziam greves e fechavam estradas, causavam o desabastecimento nas médias e grandes cidades do país.
Havia boicote por todo lado e a classe média estava assustada.
A oposição golpista se organizava e crescia.
Allende estava indo longe demais e em 11 de setembro de 1973, venceu a estupidez.
E assim, acabou o respeito à lei, acabou a liberdade, a solidariedade, o futuro.
Acabou o sonho do mundo novo!
Hoje sabemos o quanto outros países e grandes multinacionais colaboraram, estratégica e financeiramente, para a vitória do golpe.

Maria Lucia foi levada para o Estádio Regional de Concepción. Não a acusavam de nada, mas a detiveram por ser brasileira, sinônimo de esquerdista.
Com centenas de pessoas, esteve presa na Quiriquina, uma ilha da Marinha.
Foi por pouco tempo, é verdade, somente por três dias, mas foi assustador.
Soube depois, que teve muita sorte em sair de lá.
Nunca estivera tão perto da morte.

Pinochet tomou o poder.
Milhares foram presos, torturados, mortos e desaparecidos por apoiar um governo eleito.
Milhares foram presos, torturados, mortos e desaparecidos por querer justiça social.
Milhares foram presos, torturados, mortos e desaparecidos por querer igualdade de oportunidades para todos.
Milhares foram presos, torturados, mortos e desaparecidos por querer o impossível?

E Maria Lucia nunca mais voltou a ser quem era.
Da maioria de seus amigos chilenos, nunca mais teve notícias.
Com o golpe a jovem tornou-se adulta e a tristeza do sonho desfeito jamais a abandonou.