20.11.24

Viva o Dia da Consciência Negra!

 Na minha infância, a bisavó Glória morava conosco. Morreu quando eu tinha 10 anos.

Negra, casou-se com o filho de um alemão e nasceram vários filhos mulatos com sobrenome alemão.

Sua filha, minha avó Elvira, casou-se com o filho de uma espanhola e de um italiano. Me dizia que, se morássemos nos EUA, teríamos que entrar nos ônibus pela porta dos fundos! Nunca entendi muito bem...

Suas amigas mais próximas eram todas negras e mulatas.

Minha mãe, sua filha, casou-se com o filho de um autêntico nobre português e de uma missioneira de São Luiz Gonzaga. Os amigos dos meus avós paternos eram todos brancos.

Mas, eu nunca notei grande diferença entre todos estes personagens da minha infância.

minha bisavó com a minha mãe


Meus filhos tiveram uma babá negra que adoravam.

Uma vez, o nosso cachorro "comeu" quase todos os seus bonequinhos do Play Mobil e só sobraram os bonecos negros.

Eles reclamaram muito, dizendo que "só tinham ficado com bonequinhos negros".

Quando perguntei o porquê desta bobagem, já que convivíamos com uma negra e gostávamos muito dela, a reação foi de espanto.

Até hoje lembro a expressão deles, que nunca tinham se dado conta da diferença na cor da pele...

Eu também, só quando já era adolescente, olhando essa foto da minha bisavó, me dei conta de que ela era negra e bem negra!

Heloisa e os meus meninos

P.S. este texto foi escrito em 2011. Hoje o uso da palavra "mulato" é contestada por parte do Movimento Negro. 





21.10.24

Caneca quebrada!

 Pois é, tudo começou com uma caneca quebrada!

Enviei este vídeo para minha amiga Susana Hausen, arquiteta como eu e minha colega na Prefeitura de Porto Alegre. Usávamos um carimbo com os nossos nomes quando assinávamos os pareceres nos processos. E qual era o sonho dela?  Ter um carimbo escrito "foda-se", rsrs. 

O resto eu conto no vídeo que mandei para a Suzana:

Então, recebi a seguinte resposta:

"Temos que fazer um curso pra formar mágicos. É completamente impossível, ter-se um bom dia neste planeta, caso sejamos pessoas conscientes. É impossível acreditar, que conseguiremos, enquanto humanidade, a reversão de tanto dano causado. Todo mundo acha que haverá solução. A solução já passou da hora! A maldade deste bicho homem é absurda! É como dizia aquele personagem do Jô Soares: "Tira o tubo!"

Estamos quase nos oitenta anos e não temos o direito de sonhar um mundo melhor! Neste quadro terrível estamos todos fodidos e alquebrados. Assim, nada mais digno que uma caneca quebrada. Ela poderá servir para nosso conforto espiritual. Jesus pendurado na cruz é até hoje um símbolo de esperança. Quem sabe uma caneca quebrada, colada e com muitos "foda-se" seja o símbolo da resistência, da esperança e da irreverência. 

Quem sabe tá na hora de se criar a "Igreja do Fôda-se universal". E, adivinha o que estaria no altar? Ela, a caneca fodida!

p.s gostarei muito do presente, pode ter certeza! "

E a minha resposta: "É difícil aceitar a ideia de que os nossos sonhos ficaram no caminho e que esse "mundo melhor" junto com o "homem novo" do Che que acreditamos possível,  deu em nada. Deu em nada? Não, é bem pior, deu neste momento presente que estamos vivendo de ganância, de desrespeito a tudo,  da ausencia dos valores que nos formaram... Portanto, sou parceira na criação na criação da Igreja do Fôda- se Universal!"


24.8.24

24 de agosto


Para mim esta é uma data de muitas recordações.

Em 1954, eu vivia em Porto Alegre e tinha 7 anos quando o presidente Getúlio Vargas se suicidou.

Getúlio, chamado de “Pai dos pobres”, era amado pelo povo trabalhador em função de sua defesa dos direitos trabalhistas e, naquele dia, as manifestações de revolta foram violentas. Para eles, Getúlio havia sido levado ao suicídio pelos seus opositores.

Os “Diários Associados,” uma poderosa empresa nacional de comunicação, desenvolvia uma ferrenha campanha antigetulista em todos os seus veículos (pois é, só mudam as moscas...). Em Porto Alegre, era proprietária de um importante jornal, o “Diário de Notícias”, e da principal emissora de rádio do estado: a “Rádio Farroupilha”.

Morávamos na rua Riachuelo, a algumas quadras da rádio que ficava na rua Duque de Caxias. Quando meu pai ficou sabendo (certamente, pelo rádio) que os manifestantes estavam incendiando o prédio, me pegou pela mão e fomos para lá! Lembro de estar encarapitada nas costas dele para poder ver melhor, rsrs

prédio da Rádio Farroupilha

Depois, fomos até a Rua da Praia e foi a primeira vez em que vi operários de verdade. A expressão do rosto deles me impressionou muito e ainda a tenho na memória. 

Meu avô Sampaio era candidato a governador do Estado pela Frente Popular, composta por partidos de esquerda. Ao lado da nossa casa, havia um comitê da campanha dele e tenho a lembrança da preocupação da minha família, com medo de que fosse depredado. Temiam também que meu avô, que estava em campanha no interior, fosse agredido. Mas, nada disto aconteceu.

 Em 1976, eu vivia em Brasília quando Juscelino Kubitschek morreu (acidente ou assassinado?) no dia 22 de agosto. Estava no final da gravidez do meu primeiro filho. Ernesto Geisel era o “presidente” e estávamos em plena ditadura.  

Houve uma cerimônia no Rio de Janeiro e depois, no dia 24, o corpo foi levado para Brasília para ser enterrado lá.

Meu marido e eu nos postamos num ponto do trajeto em que o cortejo faria do aeroporto até a catedral onde seria velado. Mas não houve cortejo, o caixão foi colocado dentro de uma Kombi que passou em altíssima velocidade, seguida por centenas de carros. Foi uma decepção!

Minha avó Dulce estava em Brasília, para acompanhar o meu parto, hospedada na casa de nossos queridos amigos Majzinha e Chico Meirelles. Eles moravam na Asa Sul, bem pertinho da avenida por onde, no final da tarde, passaria, o caixão com o corpo de Juscelino.

Apesar do tamanho da minha barriga, eu queria participar e minha avó convenceu os demais, que ficaram preocupados, de que eu poderia ir. Pegamos os banquinhos da cozinha e lá fomos nós.

Os milicos programaram que o transporte do caixão até o cemitério seria feito em um carro de bombeiros. Mas, a multidão emocionada de milhares de pessoas não permitiu. Então, o caixão foi levado por eles que cantavam o hino nacional, o “Peixe Vivo” (a música preferida de Juscelino) e gritavam vivas à democracia.

Não lembro se chorei, mas hoje esta vivência me emociona.

No dia seguinte, só alegria, nasceu meu filho Ricardo!

22.5.24

Meus vídeos/ parte I

Como não ando escrevendo nada, resolvi mostrar alguns vídeos meus. 
O primeiro que fiz foi em 2008, usando um programinha bem simples, o "Movie Maker" do Windows. Fui aprendendo e cada vez gostando mais.
Os que compartilho aqui são os vídeos postados no Youtube como "públicos". No meu canal, tenho muitos outros que fiz como registro de momentos importantes da minha vida e da vida da minha  família, presentes para os amigos, enfim muito pessoais.
Até a alguns meses atrás, fiz os vídeos com o mesmo programa gratuíto. Mas, me animei e comprei um mais moderno e com mais ferramentas de edição que estou aprendendo a usar. 
Espero que tenham paciência para ver (são bem curtinhos, rsrs) e que gostem! Abraço a todos


2012:
amanheceres e entardeceres

Miradouro de Dom Pedro de Alcântara/ Lisboa

Avenida dos Aliados / Porto

2013:
A magia de Escher

Morro da Igreja/ Urubici

Bem-vinda primavera!

Entardecer

2014:
Cataratas do Iguaçu

Yo pisaré las calles nuevamente

Oceanário de Lisboa

31.3.24

Fim do mistério!

"Eu sou assim, porque nasci assim, e quem gostar de mim, terá que ser assim, assim, assim... Porque gosto do sol, cinema e futebol e danço o roquenrol vestida de blujins." 

Coloquei estes versos aqui no blog, para responder "quem sou eu", rsrs. São versos de uma música que fez sucesso na minha adolescência,  mas eu não sabia o nome e nem quem cantava, nadinha. 

Revirei a Internet tentando descobrir alguma coisa e não encontrei nem uma indicação, isto que sou considerada uma boa pesquisadora (reencontrei meu atual marido via Google, depois de termos namorado 38 anos antes).

Lá pelas tantas, recebi mensagem de uma jovem que lembrava do pai cantando a tal música e queria alguma informação. Tinha encontrado no meu blog porque também estava buscando.

Cheguei a ficar em dúvida se realmente existiu, rsrs. Quem me convenceu do contrário foi a minha amiga  Maria Betânia F. Champagne que também lembrava.

Lá pelas tantas, coloquei no Facebook a letra completa e perguntei se alguém se lembrava. Esperei um tempão, até que recebi uma resposta de uma pessoa que eu não conhecia e que não era minha "amiga" , a Claudia Vieira. Graças a ela, acabou-se o mistério!

Fiquei bem feliz com a resolução do enigma e com o gesto tão querido da Claudia.

A música se chama "Namorada do sol”, foi lançada em 1960, quem cantava era Sonia Delfino e os autores são Armando Cavalcanti e Klécius Caldas. Os dois são também autores de muitas músicas de carnaval de sucesso nos anos 1950.






14.2.23

meu amigo, Jun

Jun Nakabayashi foi embora em agosto de 2022 e ainda hoje sinto uma grande tristeza. Escrevi este texto naquela ocasião, mas por algum motivo que não lembro, não postei. Posto agora.

Cada querido da gente que se vai é um pedaço da nossa vida que vai junto. Nos relacionamos com cada um deles de uma forma única porque cada um deles é único. Todos são insubstituíveis e deixam em nós uma parte vazia que preechemos com as lembranças.

Cheguei em Concepción, no sul do Chile, em julho de 1971. Renato Dagnino, então meu namorado e hoje pai dos meus filhos Ricardo e Miguel, já estava lá e fui encontrá-lo. Ele fugia da perseguição movida pela ditadura brasileira que o afastou por quatro anos da UFRGS. Ao contrário dele, apesar de participar do movimento estudantil em Porto Alegre, não havia nenhuma acusação contra mim. 

A cidade tinha menos de 400.000 habitantes e uma das universidades mais importantes do país, a Universidad de Concepción. Fazia muito frio, chovia e ventava muito. 

Não havia muitos brasileiros, porque a grande maioria preferia viver em Santiago. Quando cheguei, éramos nove, mas depois outros foram chegando.

Concepción, 1971

No meu primeiro dia na cidade fui presenteada com um "temblor", um terremoto fraquinho. Estava em uma reunião na universidade e foi lá que conheci Jun, Lúcio e Bene, estudantes e militantes do MIR (Movimento de Esquerda Revolucionária). Jaime, Bretas, Percy e Célia Sampaio (um casal já com filhos), os outros brasileiros que viviam em Concepción, conheci dias depois.

Sempre tive um grande carinho pelo Jun e até hoje não sei muito bem o porquê. Filho de japoneses era, como se costumava dizer, "um cara na dele", bem ao contrário de mim que falo até com os cachorros da rua, rsrs. Sempre foi assim, mas, de vez em quando, ele perdia a paciência comigo!

Convivemos por quase três anos e,  por alguns meses, moramos juntos: Jun e Marta (sua companheira argentina), Renato e eu.

Foram  maravilhosos os tempos que vivemos no Chile até que o golpe do Pinochet, em 1973 acabou com o nosso sonho da possibilidade de uma transição pacífica ao socialismo, pregada por Allende. 

Naquela ocasião, Renato e eu estávamos em Concepción, Marta estava na Argentina para o parto da primeira filha, Adriana, e Jun estava em Osorno, cidade mais ao sul, onde lecionava na universidade. Não havia forma de nos comunicarmos com ele.

Logo que cheguei,  dois anos antes, fiz amizade com o consul honorário do Brasil, um senhor inglês. Esta amizade foi muito útil nos dias posteriores ao golpe porque, com a ajuda dele consegui localizar o Jun, mas como isto foi a muito tempo, não lembro bem como aconteceu. 

Quando ele esteve em Porto Alegre, em um dos foros sociais mundiais, perguntei o que havia acontecido na prisão e ele, então, me contou toda a tortura que sofreu. Chorei muito, mas no dia seguinte, não lembrava de nada, como não lembro até hoje. O relato foi tão terrível que preferi esquecer.

Depois, obrigado a sair  do Chile exilou-se na Europa. Durante o tempo em que esteve fora do Brasil trocamos algumas cartas, mas acabamos perdendo o contato. Só de vez em quando recebia alguma notícia dele dada por algum amigo comum.

Foi quando eu morava em Campinas, entre o segundo semestre de 1978 e  a metade de 1979, que Jun foi anistiado e pode voltar ao Brasil. Não é frase de efeito, não, "lembro como se fosse hoje" do momento em que soube. Voltava para casa e, no rádio do carro, escutei a notícia de que ele havia chegado em São Paulo. No mesmo dia, peguei o guia telefônico e tentei encontrar a irmã dele que conheci em Concepción. Falei com vários Nakabayashi, até encontrar o Jun e lembro o quanto fiquei feliz! 

Campinas, 1979

Depois, separou-se da Marta com quem teve dois filhos, casou com a Célia e cada vez que eu ia a São Paulo, me levava para passear e conhecer a cidade! Como vou sentir saudade dos nossos passeios...

Foi um cara e tanto, cheio de amigos! A última vez que nos vimos foi em 2019, quando nos reunimos com os moradores de Concepción que hoje vivem em São Paulo. Depois disto, só conversamos pelo telefone.

São Paulo, 2019

Pois é, cada querido da gente que se vai é um pedaço da nossa vida que vai junto. 

Beijo e saudade, Jun.

9.7.22

¡Ojalá todo cambie!

Escutando Mercedes Sosa, que estaria de aniversário hoje.

Me sinto feliz por ter tido a oportunidade de vê-la no palco e de me emocionar com ela, como estou me emocionando agora.

O Brasil, neste momento triste, ficou lá fora.

O mundo em guerra ficou lá fora.

De vez em quando é preciso fugir. Gracias, Mercedes.


Aqui, feliz, dança e canta com o público, uma "cueca" do chileno Júlio Numhauser:


"Cambia lo superficial

Cambia también lo profundo

Cambia el modo de pensar

Cambia todo en este mundo

Cambia el clima con los años

Cambia el pastor su rebaño

Y así como todo cambia

Que yo cambie no es extraño

Cambia, todo cambia...

Y el más fino brillante

De mano en mano su brillo

Cambia el nido el pajarillo

Cambia el sentir un amante

Cambia el rumbo el caminante

Aunque esto le cause daño

Y así como todo cambia

Que yo cambie, no extraño

Cambia, todo cambia, sí, señor, ya cayo, ya cayo

Cambia, todo cambia...

Y el sol en su carrera

Cuando la noche subsiste

Cambia la planta y se viste

De verde en la primavera

Cambia el pelaje la fiera

Cambia el cabello el anciano

Y así como todo cambia

Que yo cambie, no es extraño

Cambia, todo cambia...

Pero no cambia mi amor

Por más lejos que me encuentre

Ni el recuerdo ni el dolor

De mi pueblo y de mi gente

Y lo que cambió ayer

Tendrá que cambiar mañana

Así como cambio yo

En esas tierras lejanas

Cambia, todo cambia…

Pero no cambia mi amor

Por más lejos que me encuentre

Ni el recuerdo ni el dolor

De mi pueblo y de mi gente

Y lo que cambió ayer

Tendrá que cambiar mañana

Así como cambio yo

En estas tierras lejanas

Cambia, todo cambia..."


25.2.22

Lembranças do Facebook


Fevereiro de 2016:
"Antes de militar no PT, a partir de 1990, fiz política estudantil na universidade e fui simpatizante do gupo da Dilma no PDT.

Me interesso por política desde que nasci porque conviver com os Sampaios era ouvir conversas sobre políticos e discussões políticas desde muito cedo. Meu avô, em 1954, foi candidato a governador do Estado pela Frente Popular e eu, com 7 anos, participei da campanha!

Nunca aceitei gurus, nem o "centralismo democrático" e nem algumas outras características que os partidos de esquerda tinham e que me lembravam a “santa madre igreja” (os amigos de esquerda entenderão sobre o que eu falo).

Infelizmente, o PT onde eu militei e que eu defendi com ardor acabou.

Não vi o partido chamar para nem uminha mobilização em apoio ao governo Dilma! Quem chama é a frente da qual o PT faz parte.

Que absurdo é este?

Agora, quando três senadores do PT não estavam presentes nesta votação fundamental, para alguns companheiros de esquerda a culpa é da Dilma e muitos estão declarando não apoiar mais o governo porque "cansaram" dos seus erros.

Deixar de apoiar a Dilma e fazer o que mesmo?

Quem sabe não seria bom aceitar que o PT mudou e mudou muito!

Quem sabe não está na hora de encarar de frente esta tristeza?

O PT deixou pelo caminho a sua ideologia e, assim como outras experiências mundiais, a “burrocracia” tomou conta dos rumos do partido e tornou-se maioria!

Todo o meu apoio ao Governo Dilma!

1. não lembro mais a que votação me referia na época, se alguém souber por favor me diga. Fiz uma busca no Google e não achei nada;

2. em 2015, também no FB, declarei que era Dilmista e não mais petista. Hoje, acredito que Lula é muito maior do que o PT.


Fevereiro de 2017

Todos nós que lutamos por um outro mundo e que acreditamos na utopia do “hombre nuevo” estamos nos sentindo como escreve Maria Lucia Dahl. Ainda acredito que um outro mundo é possível, mas, certamente, com outras pessoas...

 "Estive pensando muito na minha geração, da qual fui fã e tiete. Admirei e defendi ardorosamente toda a sua virada de mesa dentro de um contexto geral: político, social, sexual, bissexual, feminista, libertário e até na revolução da moda , das saias, dos cabelos, reflexo imediato do pensamento revolucionário.

Mas agora, depois dessa mesma geração estar no poder comecei a repensar nossas atitudes. Pra mim, 68 não tinha erro, embora fosse uma geração experimental e nem toda experiência seja fadada ao sucesso, mesmo que eu continue achando muito melhor tentar do que ficar parado, até prova em contrário.

Quando o pai da minha filha, líder estudantil e exilado político, discursava na Cinelândia, ao lado de Vladimir Palmeira, dizendo: “Nós vamos tomar o poder”, eu me preocupava, porque os achava jovens demais, sem experiência nem prática, apenas terminando a faculdade.

Então, trinta anos depois, quando finalmente tomamos o poder, pensei: “agora tudo vai dar certo. Está todo mundo mais velho, mais sábio, mais experiente e amadurecido em suas ideias. O que eu não podia imaginar era que, pelo menos a maioria não pensava mais daquele jeito.

Como posso admitir que alguém vá preso e torturado por um ideal se realmente não acredita nele acima de tudo? Ninguém é crucificado pra ficar rico, privando o povo de escolas, hospitais, aposentadoria, dignidade. Isso pra mim não bate. Ou se está de um lado ou de outro.

Será que, diferentemente do que eu achava, se tivessem tomado o poder quando jovens, teria sido diferente? Que só jovem tem ideologia? Que com a idade troca-se a ideologia pelo poder? Que a força da grana, como diz Caetano, ergue e destrói coisas belas? Que éramos apenas sonhadores, como dizia Bertolucci? Libertários na ficção, na imaginação e que a teoria, na prática era outra?

Por um momento fiquei confusa, até constatar que continuo acreditando nos mesmos valores: democráticos, políticos, sociais, bissexuais, feministas, libertários. Continuo acreditando em “liberdade sem medo”, que era o lema de Summerhill, o que havia de mais amoroso e avançado em matéria de educação, continuo acreditando no amor e na paz como condições definitivas para o progresso, continuo apoiando a verdade contra os fingimentos da década de 50, cheios de garçonnières, esconderijos, traições, mentiras.

Mas infelizmente, não acredito mais no ser humano. Não era o pensamento nem o ideal da minha geração que estavam errados, ambos estavam certíssimos, e não tenho dúvidas de que pertencia a uma juventude que queria mudar o mundo de verdade.

Não acho que tenhamos sido apenas sonhadores. Nossa teoria estava certa e o sonho só acabou, como disse Lênin e depois Lennon, porque o homem continua bárbaro e não evolui um segundo da Idade da Pedra, até agora, em matéria de consciência.

Prefere a guerra, o desamor e o sofrimento em nome do dinheiro e do conforto. Mas que conforto, se o feitiço virou contra o feiticeiro? Quem espalha miséria, sofrimento, escravidão, receberá tudo isso de volta. É a lei do retorno, da consciência, dos atos.

Para que vivêssemos em paz, bastaria amar o próximo como a nós mesmos. Por isso acho que não foi Summerhill que errou em dar liberdade sem medo às crianças, não é a opção sexual que nos faz melhores ou piores, mas o fingimento, a mentira. Tudo o que não for verdadeiro sairá do fundo do poço, felizmente sobrando a esperança, como na caixa de Pandora. Basta saber o que fazer com ela.

Por que não foi o sonho que acabou, mas o homem que escolheu o pesadelo."