Tenho lembrado muito do Alexandre, Alexandre Schneiders da Silva, amigo querido, parceiro de tantas empreitadas!
Nos conhecemos em 1967 e foi amor à primeira vista.
Companheiro na militância trotskista, companheiro na música e, durante toda a nossa convivência, um conselheiro insubstituível!
Homem inteligente, sensível e bonito, nunca se interessou de verdade pelo sexo oposto e precisou de muita coragem para se relacionar pela primeira vez com outro homem e saber que era gay. Lembro bem deste dia...
Também precisou de muita coragem, nos anos 70, para abandonar o promissor curso de medicina e procurar a sua felicidade na Argentina, ao lado de José Maria.
Ele e eu voltamos para Porto Alegre em 1980, os dois reiniciando a vida.
E nunca mais nos separamos.
Estive com ele na batalha contra a Aids, quando o preconceito e o sofrimento eram muito maiores do que são hoje.
Mas, a doença venceu, em maio de 1990 e não iríamos mais envelhecer juntos, como tínhamos combinado
Em homenagem ao Alexandre, publico esta carta que ele me enviou de Canela/RS, em outubro de 1986.
"Linhas
Retomadas no mesmo ponto onde ficaram dias atrás. Silvio Rodrigues no gravador; as cores românticas se derramando sobre a paisagem de noite e estrelas.
Certo. As ilusões e as utopias. As fragilidades.
A força interna: esse algo,
sem nome, que.
Nesse mosaico, vai-e-vem, nessa corda bamba, esse espaço que se cria, que se acredita, que se faz,
(Silvio canta: Nicarágua)
Do jeito torto, sentimentalmente irreal, ainda assim algo, alguma coisa. Concreta.
Essa sensação (certeza, consciência?) de que somos parte de um organismo maior que nos inclui (os humanos) e se continua sob mil formas pelo(s) espaço(s) afora: água, ar, terra, vibração da matéria. Lua. Luas e estrelas.
Vibrações.
Vibrações da não matéria.
(Reagan e Gorbachov trocam prisioneiros. Marcam uma conferência de cúpula.)
E isso é real.
Não estaremos todos nós um pouco loucos?
Há um fazer de conta inverossímil (increíble!) de que o mundo, a vida, começam e terminam na ponta de nosso umbigo, nossa “civilização”.
Já estamos na era do Farenheit, do robô, do olho do Orwell. Só que ainda não percebemos o quanto, o como.
É tudo muito rápido.
Então, penso que o louco sou eu, a solidão, a falta do braço e de colo
(esse repouso na pele esse aconchego do outro que repousa)
Canta junto ahora:
si no creyera en la locura
si no creyera en el delirio
si no creyera en la esperanza
Si no creyera en lo que agencio,
si no creyera en mi camino,
si no creyera en mi sonido,
si no creyera
en mi silencio
qué cosa fuera, corazón, qué cosa fuera
Y bueno,
a poesia, a palavra, o som percorrido-percorrendo estradas (há milênios percorrendo as gerações) – e as entranhas. A palavra, o poema, a voz aquela do coração,
Fibra.
si no creyera en lo más duro
si no creyera en el deseo
si no creyera en lo que creo
si no creyera en algo puro
Si no creyera en cada herida
si no creyera en lo que ronde
si no creyera en lo que esconde
hacerse hermano de la vida
si no creyera en quien me escucha
si no creyera en lo que duele
si no creyera en lo que quede
si no creyera
en lo que lucha
Qué cosa fuera…
Y bueno
El hombre-poeta canta y hace mundos nuevos, tan antiguos, tan cercanos
da fibra mais íntima.
Tão do coração.
Essa capacidade (única?) da poesia de nos religar à respiração do mundo: organicidade da pulsação do cosmos. Capacidade da poesia e do amor, este também forma de poesia (já que chamo de poesia às diversas linguagens do coração...).
E quando se fala de “política” ou revolução, estou falando de que?
Quando se fala de ecologia é o que?
Se não esta dicotomia do homem com essa organicidade. A sua. A do universo.
E daí por diante, fio da meada que se desenrola
e traz consigo os signos dependurados
...
(Todos os cotidianos)
...
Pessoas que se vão repentinamente e deixam, pairando,
a pergunta implícita, atávica:
Qual é
o sentido
da vida?
O que é
A vida?
O que é
Uma vida? As vidas? A vida?
(somos/estamos em/ somos
um grande, infinito organismo
que pulsa, que respira)"
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